05 setembro 2019

Quinta-feira | 21h45 | Cine-Teatro Garrett
Sessão #1480

Título original: Once Upon a Time ... in Hollywood

De: Quentin Tarantino
Com: Margot Robbie, James Marsden, Leonardo DiCaprio, Brad Pitt, Dakota Fanning, Tim Roth, Luke Perry, Al Pacino, Kurt Russell
Género: Drama
Classificação: M/16
Outros dados: GB/EUA, 2019, 159 min.



SINOPSE
Los Angeles (EUA). O ano é 1969. Rick Dalton é um ator de "westerns" televisivos que, juntamente com o seu duplo e amigo de longa data Cliff Booth, chega a Hollywood determinado a reavivar a sua carreira. Ali, os seus destinos vão cruzar-se com personagens que marcaram uma época. Entre elas está a jovem Sharon Tate, na altura grávida do cineasta Roman Polanski; e Charles Manson, cujos crimes cometidos por si e pelos seus seguidores chocaram o mundo, mudaram costumes e deram o mote ao fim do movimento "hippie".

Nona longa-metragem assinada por Quentin Tarantino, "Era Uma Vez Em... Hollywood" é uma comédia dramática que conta com um elenco de luxo. Estreado no Festival de Cinema de Cannes, onde foi muito bem recebido pelo público e pela crítica especializada, foi galardoado com o Palm Dog Award (melhor atuação canina num filme).  (Fonte: Público)


Notas da Crítica:

“O novo filme de Tarantino passa-se em Hollywood, há 50 anos, e é tanto sobre a amizade masculina como sobre o amor ao cinema, aos automóveis e à música pop.” - Observador  ★ ★

“Um filme sexy e malévolo, onde o espetador se embrenha e segue o gozo que cada cena lhe dá.” - PÚBLICO 

“grande fábula sobre o fim de uma era – a do flower power e dos easy riders” - À Pala de Walsh




Seleção de Crítica: por João Araújo, in À Pala de Walsh

Não deixa de ser notável que ao nono filme (e a um de uma auto-imposta reforma), Tarantino ainda seja capaz de surpreender. Se os homicídios de Sharon Tate e dos seus amigos são um ponto máximo do terror cénico e a sua recriação uma tentação mórbida, Tarantino finta as expectativas. Ao filmar esse momento que marca o princípio do fim de uma era, volta a percorrer os caminhos quase esquecidos de Pulp Fiction (1994) e especialmente Jackie Brown (1997), numa sentida homenagem cinéfila e repleta de fetichismos. Esta é uma elegia imersiva em relação a uma cidade e um tempo desaparecido, que Tarantino, nascido em 1963, aprendeu a conhecer apenas através dos filmes, na adolescência. É um filme surpreendente pelo desprimorar de uma narrativa orquestrada em direção a uma conclusão, para ceder antes espaço e tempo à criação de um ambiente nostálgico e melancólico. Isso é patente nas diversas sequências à deriva e despreocupadas com uma função narrativa (como nas melhores cenas do filme, com a personagem de Brad Pitt simplesmente a conduzir), algo recentemente raro em Tarantino, igualado também pela forma como são abandonados aqueles monólogos grandiosos, outra das marcas tão típicas da sua obra.

É notável também pela forma enternecedora e enternecido como retrata as suas personagens principais, reminiscente do olhar em Jackie Brown. Depois das personagens como peões de uma peça moralista e de violência estilizada, casos de Django Unchained, Hateful Eight (Os Oito Odiados, 2015) e Kill Bill, este é também um regresso a personagens complexas, que deixam de ser os tais peões para se tornarem antes mais humanas e vulneráveis. Cliff, o duplo, é talvez a mais memorável personagem de Tarantino desde Shosanna de Inglorious Basterds. Não é que as personagens não deixem de ser caricaturas, mas estamos a falar afinal de Hollywood (note-se a ironia do pleonasmo do título, não fosse Hollywood um sítio faz-de-conta), onde as aparências são mais importantes, e Tarantino parece reconhecer isso de duas formas: a forma como Sharon Tate surge no filme, figura angelical, luz que ilumina o filme e afasta as trevas, que como mito desaparecido antes do seu tempo fica mais na memória pela sua imagem do que pelas suas palavras; e a relação desigual entre o duplo de Pitt e o actor de DiCaprio: este paranóico e neurótico, com uma ridícula necessidade de aceitação e alheado em relação ao que se passa ao seu lado, como imagem de um mundo de fantasia, e o duplo que, apesar de tudo, parece ancorado numa realidade diferente. Mesmo as raparigas do culto Manson não são apresentadas como figuras simples, mas percebe-se que o interesse de Tarantino é em retratar uma masculinidade em desuso, nesta dupla obsoleta que é também espelho da mudança de um paradigma em Hollywood, da velha geração para a nova.

O filme, que durante bastante tempo parece investido numa aproximação fiel à realidade (um duplo foi mesmo assassinado no rancho, por exemplo) e na recriação histórica de uma época, volta a surpreender na sua conclusão. O que fica é o gesto de fazer um filme para salvar Sharon Tate, como reflexo da capacidade do cinema de corrigir a realidade. Que o faça ao mesmo tempo que constrói uma memória imaginada, isto é, fantasiada e tingida pela cinéfilia de Tarantino do que teria sido essa época, é algo de comovente e extraordinário.



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